5.12.04

Considerações

Este negócio de se avisar que vai dissolver a AR, mas só após a aprovação de certo diploma ou orçamento, confunde-me.

Primeiro, porque a AR é a mais importante das instituições democráticas e é a salvaguarda dos cidadãos que vivem numa democracia, como é o nosso caso. Logo, só em casos extremos deve ser dissolvida, havendo planos de contingência até se chegar a este ponto, como demitir o primeiro-ministro.

Segundo, porque o Presidente da República ainda não se explicou. Nem foi ele que comunicou aos Portugueses a sua intenção; neste caso, fê-lo por interposta pessoa. E mais grave ainda, esqueceu-se de mencionar esta sua intenção à segunda figura mais importante da democracia Portuguesa, o Presidente da AR.

Terceiro, porque nem sequer chegou a dissolver, de facto, a AR. Disse só que vai dissolver, iniciando, para isso, os processos necessários. Se o Presidente da República falecer, entretanto, sem que comunique oficialmente ao Presidente da AR a dissolução do dito órgão, então a AR não será dissolvida.

Quarto, porque cria um precedente gravíssimo em democracias de direito. Institucionalmente, o PR tem o direito de demitir a AR, se considerar que o regulamento normal das instituições está ameaçado. Ora, no panorama actual, há uma maioria estável na AR. E é uma maioria pós-eleitoral, o que significa que se, por alguma razão, o partido minoritário (CDS-PP) quisesse abandonar a coligação, o PSD teria o dever (se quisesse governar com mairoria parlamentar) de fazer nova coligação. Neste caso, muito provavelmente seria com um partido de iguais afinidades políticas, o PS. Ou poderia muito bem governar em minoria, como se passou no tempo de Guterres (o seu primeiro mandato, com acordos parlamentares pontuais com o CDS-PP, PSD e até o PCP).
Se o normal funcionamento das instituições está ameaçado, então deve-se começar pelo topo, e demitir-se o PM. Por solidariedade,o governo cai, mas a AR mantém-se. E procurar-se-ia uma solução no seio da AR.
Quando digo que cria um precedente, é porque um dia em que o PR se zangar com o PM, pode "lixá-lo", dissolvendo a AR e convocando eleições legislativas antecipadas. Que foi o caso.

Esta situação toda faz-me lembrar os casos práticos que tinhamos que resolver nas aulas práticas de Direito Constitucional, na Faculdade de Direito (curso que frequentei durante dois anos, até abandonar para seguir Gestão). Só que é ainda mais absurdo do que as situações todas que os assistentes se lembravam de inventar.

Mais preocupante ainda, é o facto de os empresários (como eu) estarem agora de mãos atadas, pois não sabemos se o OE 2005 vai ser aprovado sequer, e na eventualidade de uma mudança de governo, não sabemos que repercussões pode vir a ter (um OE rectificativo) no sistema de apoios às empresas privadas, através de reduções de IRC ou outras obrigações perante o Estado.

São realmente tempos muito confusos, os que vivemos.

DCF